sábado, 22 de dezembro de 2012

A RAZÃO DO ENGRAXATE

 

  Dizem que estudou de mais e muito pensou no futuro. Foi então que lhe fugiu a razão, e começou a andar pelas ruas todo elegante, sempre de terno e gravata, bem penteado, suportando uma caixa de engraxate nas costas e conversando com seu amigo invisível.
  Vivia aos pés dos outros, caprichando para dar brilho aos sapatos castigados, já que sua vida era um mistério obscuro. Pagavam-lhe por seu trabalho, como se fizesse alguma diferença.
  Sempre no final do dia, sentava-se na plataforma do ponto onde esperava seu ônibus, e rasgava cédula por cédula de reais de sua realidade, pois do contrário, ninguém o entenderia.

 


Crônicas de Campinas

Alexandre Campanhola





 
 
 

A EPIDEMIA DE FEBRE AMARELA NA CAMPINAS DE 1889 - Parte final



São poucos os médicos que ainda se encontram em Campinas nestes terríveis dias de epidemia de febre amarela. Há uma grande dificuldade de socorrer as pessoas infectadas e os centros de saúde contam com a solidariedade de alguns valentes profissionais, e de comprometidos políticos para se manterem, podendo com isso, cuidar dos doentes. O Sr. José Paulino Nogueira – presidente da Câmara Municipal - faz o que pode para apoiar e contribuir para a abertura de uma nova enfermaria no hospital Círcolo Italiano. Este político também permanece corajosamente na cidade, ao contrário da maioria de sua classe.
Juntamente com o hospital Círcolo Italiano, os hospitais Santa Casa da Misericórdia e Beneficência Portuguesa também recebem os infectados em um dedicado esforço para minimizar o problema.




João Guilherme da Costa Aguiar, como já foi citado, dirige a enfermaria municipal do Circolo Italiano. Ele permanece na cidade, mas leva para fora sua família sob a ameaça de também ser infectada. Certo dia, ele escreve uma carta para seus familiares e nestes trechos revela sua intensa luta:








Hospital Circolo Italiano, atual Casa da Saúde


“Continuamos a lutar com o dragão que ameaça devorar a população desta cidade. Creio que das pessoas que não puderam sair, raras serão as que escapem da ação terrível do contágio. O número de médicos está muito reduzido; mas hei de ser dos últimos a sair”.
Em outra carta, tal trecho descreve a situação da cidade:
“Hoje vi poucos doentes relativamente; 62 até esta hora (3 da tarde), ao passo que tem havido dias de ver 90, e não mais por fadiga”. “Admira que numa cidade despovoada, como está Campinas, onde custa ver-se uma casa aberta, a peste ache pasto abundante para fazer 30 vítimas como ontem, e 50 como anteontem.” “Quando nos deitamos, procurando um repouso para o corpo e para o espírito, debalde tentamos conciliar o sono; o gemido dos que lutam ainda, o arquejar dos moribundos, nos fazem como que uma obsessão. Parece que em cada um desses acentos lúgubres da vítima fala uma voz repetindo, em todos os tons, a miséria da nossa ciência, senão a inépcia com que a exercemos. Deus de misericórdia! Tende piedade de nós!”.
No dia 19 de Maio de 1889, Costa Aguiar morre de febre amarela contraída quando atendia aos pacientes da epidemia. Mais tarde, a Câmara municipal concede-lhe a medalha de gratidão e aprova a substituição do nome da Rua da Constituição para Rua Dr. Costa Aguiar.




José Paulino continua sua luta intensa para enfrentar a epidemia, agora após ter assumido o governo desta cidade que parece abandonada. Ele mobiliza sócios e clientes de sua loja, e apela para que os amigos Campos Salles e Francisco Glicério arranjem meios para que se conclua os serviços de canalização de água potável e de instalação da rede de esgotos. Só assim a cidade se livra dos poços e fossas.
No dia 2 de Abril de 1889, ele manda um apelo dramático a Francisco Glicério:












José Paulino Nogueira
 

 “A epidemia recrudesceu bastante de cinco dias a esta parte; pelo obituário, podes calcular o que vai por aqui, é um horror! Não há espírito, por mais forte que seja, que tenha a necessária calma no meio de tanta desgraça. Pobre Campinas. Parece-me que nunca mais poderá levantar-se pujante como já foi. Você, Moares, Campos Salles e outros filhos desta terra, que aí estão com o espírito fresco e calmo, pensem e ponham em prática tudo o que for para facilitar o empréstimo da Companhia Campineira de Águas e Esgotos, que é a única salvação desta cidade. Adeus, até por cá, se vivermos.”
Em janeiro de 1889, o reinício das aulas no tradicional colégio Culto à Ciência demonstra que há um abrandamento da horrenda epidemia que abala Campinas, graças as medidas tomadas por José Paulino que um dia nomeará uma rua no centro de Campinas.
Em 1897, retorna a febre amarela, provocando mortes, arrasando a cidade, em especial a colônia italiana onde o surto era maior. Felizmente o Dr. Emílio Ribas descobre e isola o transmissor da terrível doença, saneando Campinas, acabando de vez com a febre amarela.



Pesquisa e adaptação: Alexandre Campanhola

 

domingo, 16 de dezembro de 2012

A EPIDEMIA DE FEBRE AMARELA NA CAMPINAS DE 1889 - Parte 5




Fundado em 2 de maio de 1886, o hospital do Círcolo Italiano foi um projeto assinado por Francisco de Paula Ramos de Azevedo, e neste ano de 1889 mantém um enfermaria de emergência para atender aos doentes da epidemia. João Guilherme da Costa Aguiar, médico nascido em Itu, é quem dirige esta enfermaria municipal e quem também trabalha intensa e gratuitamente para prestar socorro à população.
O doutor Ângelo Jacinto Simões é outro profissional da área médica que também não abandona Campinas. Não parando de trabalhar um só dia durante a epidemia, Ângelo Simões não deixa a cidade mesmo após o falecimento de sua filha. Graças ao seu desvelo, Dom João Nery que, junto ao Cônego Cipião presta assistência à população carente, não morre após contrair a doença.
Ângelo Simões que nasceu no Rio de Janeiro permanece até sua morte em Campinas, em 20 de Outubro de 1907, e no bairro da Ponte Preta, em sua homenagem, uma avenida recebe o seu nome.


 

Durante este triste período de febre amarela, outras importantes personalidades de Campinas contribuem para combater o terrível problema. O doutor Antonio Pinheiro de Ulhoa Cintra, o Barão de Jaguara, encontra-se várias vezes na cidade como chefe do executivo, constatando pessoalmente a situação alarmante. Ele propõe a assembleia investimentos para conclusão da obra de serviços de água e esgotos. Um dia, a Rua Direita no centro de Campinas, passará a ter o nome deste ilustre Barão.






Barão de Jaguara





Bento Quirino dos Santos é outro forte nome na política de Campinas que luta para ajudar a cidade. Este, que foi um dos fundadores do colégio Culto à Ciência, presta relevantes serviços à população campineira.










Bento Quirino




Outro médico que atua durante certo período em Campinas é o doutor Thomas Alves, fundador da Maternidade de Campinas, anos mais tarde. Este médico que nasceu no Rio de Janeiro é um dos mais estimados pelas diversas classes sociais, e sendo uma pessoa de alma generosa, ele não mede esforços para tratar aqueles atingidos pela epidemia. Sua constante atuação faz com que ele também seja infectado e tenha um dedo indicador inutilizado.
Thomas Alves não permanece em Campinas nos momentos mais críticos da doença, como o fazem Costa Aguiar, Ângelo Simões e Germano Melchert.
 






Doutor Thomás Alves



Ná próxima e última parte:

A morte do doutor Costa Aguiar
As medidas providenciais tomadas por José Paulino



Continua no dia 22/12/2012
 

sábado, 15 de dezembro de 2012

O BUSTO DE CÉSAR BIERRENBACH, EM CAMPINAS




João César Bueno Bierrenbach nasceu em Campinas no dia 07 de Abril de 1872. Foi orador, um dos mais brilhantes, tribuno por excelência e lente catedrático do tradicional ginásio " Culto à Ciência". Nesse colégio, também foi professor de história natural de 1901 a 1907. Foi um dos oradores na inauguração em 1906 do monumento-túmulo de Carlos Gomes e no enterro de Moraes Salles. Foi fundador e primeiro secretário do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, sendo denominado por Álvaro Muller " Uma lira e uma tempestade". Escreveu " Manifesto em favor da independência de Cuba" e " Brasílio Machado" (estudo biográfico).
 
 


César Bierrenbach foi amigo de importantes personalidades de Campinas e do Brasil como Coelho Neto e Euclides da Cunha. Sua família foi pioneira no processo de industrialização da cidade de Campinas. A primeira fábrica de chapéus Bierrenbach e irmão foi inaugurada em 1857. Uma das características da empresa era o emprego de mão-de-obra escrava renumerada e também de menores de idade.

Em 1912, ele foi homenageado com um busto que está instalado na praça Bento Quirino, em frente à igreja do Carmo.

César Bierrenbach morreu no Rio de Janeiro no dia 02 de Julho de 1907, de uma forma inesperada, vítima de suicídio, e seu túmulo encontra-se na via principal do Cemitério da Saudade, sob uma frondosa pitangueira.








Fonte:

domingo, 9 de dezembro de 2012

A EPIDEMIA DE FEBRE AMARELA NA CAMPINAS DE 1889- Parte 4

 

Abril de 1889 é o mês do terror em Campinas. A epidemia parece dominar a cidade, poucas medidas são eficazes para conter o problema, muitas pessoas continuam morrendo e deixando o território campineiro. Colégios importantes como o Culto à Ciência fecham suas portas devido à condição alarmante.
 









Colégio Culto à Ciência
 
 
As pessoas pobres, sem condições de deixar a cidade e se tratarem, sofrem com a situação. Compadecidos, o médico doutor Alberto Sarmento e o Cônego Cipião Junqueira fundam no dia 7 de Abril de 1889 a Sociedade Protetora dos Pobres, no consistório da matriz nova, que um dia será a Catedral de Campinas. A finalidade desta sociedade é coletar donativos para viabilizar a distribuição de gêneros alimentícios à população carente, os quais ficariam armazenados no Coliseu, uma casa de espetáculos.
O Cônego Cipião Junqueira – vigário da Matriz Nova – torna-se o presidente da sociedade e Álvaro Muller – delegado de policia – é o tesoureiro. Este morrerá posteriormente de febre amarela e um dia será homenageado dando seu nome a uma rua na Vila Itapura. Outros participantes desta sociedade beneficente são: o padre João Batista Correa Néri e o doutor Joaquim Gomes Pinto.














Dom João Néri


A Sociedade Protetora dos Pobres passa a cadastrar famílias e doar alimentos semanalmente a mais de cinco mil pessoas. Apesar da atividade filantrópica se desenvolver, esta sociedade acaba encerrando suas atuações no dia 31 de Maio de 1889, devido à morte de importantes membros de sua equipe como Francisco José de Carvalho e Cipriano Rosa de Andrade. 
A Congregação das Irmãs de São José de Chamberry, presentes de Campinas desde 1876, realizando trabalhos na Santa Casa da Misericórdia, dedicam suas atividades às órfãs em um asilo. Com o problema da febre amarela, a Santa Casa é a primeira a providenciar uma enfermeira específica e um hospital ambulante aberto. Porém, quase todos os integrantes desta medida emergencial são atingidos pela doença.
 Muito dedicada, a irmã Maria dos Seraphins Favre participa ativamente nos cuidados àqueles que sofrem. Ela atua, como as outras irmãs, na área de enfermagem e também acaba se adoecendo, e morrendo aos 44 anos, tendo seu atestado de óbito assinado pelo doutor Ângelo Simões, um dos médicos que permanecem na cidade. Em homenagem a esta irmã, um dia a Rua Sete de Setembro terá seu nome mudado para Irmã Serafina.













 




Rua Irmã Serafina, homenagem à irmã Maria dos Seraphins Favre


No auge da epidemia, nos meses de março a abril a ausência de médicos é um dos graves efeitos. Quase todos os médicos deixam a cidade, e as autoridades trazem especialistas de outras localidades como o doutor Adolpho Lutz. Este fica apenas dois meses em Campinas e faz algumas percepções em relação à doença. Segundo Lutz, a doença se alastra pelas cidades que margeiam a estrada de ferro, fato que explica o aparecimento de vários casos esporádicos e isolados de febre amarela em funcionários do correio e da ferrovia, e em pessoas que nunca tinham visitado Campinas. O doutor Lutz, após deixar Campinas, estabelece-se no Havaí.





Na próxima parte:

Os grandes homens que lutaram contra a epidemia



O PRÉDIO DE OSCAR


 
Em 1953, a Folha da Manhã, jornal de São Paulo, anunciava orgulhosamente:

"Orgulhosamente, apresentamos o primeiro projeto de Oscar Niemeyer para uma cidade do interior paulista: Edifício Itatiaia, ponto alto da arquitetura campineira"
 


No dia 5 de Dezembro, o Brasil perdeu um grande homem. Grande por sua capacidade criativa, por suas realizações, e acima de tudo, por sua humildade.
Oscar Niemeyer é um nome conhecido em todo o mundo. É o nome que há de ser exaltado sempre pelos brasileiros, pois quando nos lembrarmos da capital de nosso país, temos que creditar sua imagem futurista e moderna a este arquiteto, que junto com outro arquiteto, Lúcio costa, um dia ousaram inovar.
Oscar Niemeyer trabalhou muito e deixou seu legado espalhado por todo o Brasil e o mundo.










 



Em Campinas, ele também deixou sua querida lembrança em forma de um edifício construído entre os anos de 1954 e 1960.





O Edifício Itatiaia foi projetado por Oscar Niemeyer. Ele possui um formato trapezoidal, com a frente reta e a traseira ondulada, lembrando muito o edifício Copan, em São Paulo. Ele possui 15 andares e 60 apartamentos.
Este edifico fica na Avenida Irmã Serafina, no número 919, no centro de Campinas













 
 
 
 

domingo, 2 de dezembro de 2012

A EPIDEMIA DE FEBRE AMARELA NA CAMPINAS DE 1889 - Parte 3




  A epidemia começa a dominar a cidade de Campinas. Sua gravidade é tão grande, que 16 dias após sua detecção, o conselho administrativo encontra-se impossibilitado de se reunir. Pessoas e mais pessoas acabam sendo vítimas da febre amarela, a ponto de um caminhão percorrer as ruas nas tardes para recolher corpos, agilizando os sepultamentos que se sucedem à noite para evitar contágios.
  A situação torna-se tão grave que o número de óbito por dia chega ao de quarenta pessoas. O número aproximado de vítimas que morrerão devido a esta moléstia será de: 816 homens, 285 mulheres e 99 crianças.

  A Sociedade Civil Beneficente e de Utilidade Pública, conhecida como Circolo Italiani Unit, uma casa de saúde, presta assistência médica distribuindo remédios, dinheiro e cuidados.
  As famílias de posses se retiram para outros locais não afetados por essa terrível epidemia, permanecendo junto ao perigo apenas os menos favorecidos ou aqueles que por obrigação inadiável têm que continuar em lugar tão perigoso.
  Os fazendeiros deixam suas casas da cidade para se refugiarem nas fazendas; os demais moradores apavorados abandonam os lares e pertences, fugindo de trem ou a pé, reduzindo-se a menos da metade a população urbana, estimada em torno de dez mil habitantes.
  A Companhia Paulista de Estrada de Ferro chega a fornecer passagem grátis para São Paulo, no final de abril, para aqueles que querem evadir-se da área infectada. Campinas fica povoada apenas por cerca de 3.000 habitantes nos piores dias da epidemia, quando pessoas morrem nas ruas e são enterradas em valas comuns. Faltam medicamentos - por não haver quem os manipule - e comida na cidade
  O doutor Melchert passa a participar ativamente no combate contra esta epidemia. Dos 23 médicos que residem em Campinas, ele é um dos três que ficam na cidade, lutando heroicamente sem qualquer renumeração, já que só ficaram as famílias menos favorecidas economicamente. Sua generosidade é tão grande que junto com as prescrições dadas aos pacientes, ele deixa dinheiro para os medicamentos e alimentação às famílias visitadas.
  Certo dia, o doutor Melchert também se vê contaminado pela doença e é tratado pelo delegado de higiene. Apesar dos dias de sofrimento e mesmo com a saúde comprometida, ele continua tratando incansavelmente os amarelentos e ajudando em tudo o que é possível, inclusive removendo cadáveres.
  O doutor Melchert ficará em Campinas até 1903. Em 1921, ele se mudará para Santos, onde falecerá.























O médico Germano Frederico Eduardo Melchert





Na próxima semana:

Os movimentos solidários na época da epidemia
A atuação do médico Adolpho Lutz

sábado, 1 de dezembro de 2012

VELHA CARA NOVA

 
 
  Há pouco tempo atrás reformaram a fachada do histórico Colégio "Culto à Ciência". Decerto para minimizar a imagem decadente que hoje exibe este que foi um importante celeiro de manifestações intelectuais e artísticas de nosso país.
 Certa vez eu também pisei em seus pátios arcaicos construídos com extintas glórias. E, nem imaginava que sentado entre os arvoredos, um dia Santos Dummont sonhou com as alturas; que percorrendo os corredores extensos, Júlio de Mesquita descobria que gostava mesmo era de retratar a realidade; que coordenando os grupos de trabalho, Chico de Amaral, bem mais tarde, seria o coordenador maior da cidade de Campinas; que o bom aluno Penido Burnier se deliciava com as aulas de Biologia, e que seria tão empenhado a ponto de um dia ter uma grande clínica com o seu nome, na Avenida Andrade Neves.
 Quando me vi encolhido no velho banco, expiando minha mãe concluir a matrícula, não sabia que talvez foi naquele banco que Regina Duarte fazia a suas ceninhas, e que o Faustão animava a todos após uma chatíssima aula de Física. Nem suspeitava, já cursando o terceiro ano do ensino médio, já liberto da timidez do princípio de meus anos naquele templo, que não fora o primeiro a encantar as mocinhas ao ser poeta, pois foi lá que Guilherme de Almeida ventilou seus nobres versos antes de se tornar um príncipe.
 De fachada reformada, sei que se este valioso colégio pudesse exprimir seus sentimentos, estes não revelariam a ânsia pelos cuidados de ilustres operários, mas sim, da esplêndida tradição que ficou para trás.





Crônicas de Campinas

Alexandre Campanhola