domingo, 29 de maio de 2016

DIREÇÃO DO TEMPO









Por alguns instantes descansou o olhar na estreita extensão da Rua Barreto Leme, que seguia seu curso prefeitura a fora, como as águas de um rio. Estava defronte ao prédio da Previdência Social, onde resolvera alguns assuntos sobre aposentadoria, e após a humilhante espera no atendimento e sentidas constatações, não admitia outro coisa senão sua súbita verdade de que, como a envelhecida sombra da Matriz do Carmo que se esparramava derredor, a velhice é a sombra da vida. Desceu a Barreto Leme a passos lentos de quem se desfez da pressa, quando foi considerado inapto para labutar. E não evitou uma comparação cruel consigo mesmo ao atravessar a Sacramento e perceber o sebo Casarão, do qual o aroma interior decerto fosse similar ao seu, adquirido em tantos anos de existência. De repente, assombrou-se em seu trajeto decadente ao ouvir tantos risos e brincadeiras. Uma turma de estudantes que voltavam da faculdade perpassou-no, como se quisessem dizer-lhe que a direção dos ventos somos nós que definimos. A juventude estudantil apareceu por todos os lados naquela ocasião, onde se encontrara a caminho de seu ponto de ônibus na Avenida Anchieta. Os estudantes estavam nas livrarias, nos sebos, nas lanchonetes, nas lojas especializadas em Rock`n Roll. Uma delas liberou logo um som pesado que se misturou àquelas vozes cheias de entusiasmo, que ignoravam a direção do tempo, as imposições injustas, os desaforos da vida. Foi assim que pensou com um sorriso de menino travesso a seguinte frase: “A gente pode até se aposentar para o trabalho. A gente, não quer dizer com isso, que se aposenta para a vida”.





ALEXANDRE CAMPANHOLA
CRÔNICAS DE CAMPINAS

 
 

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